Ação de prestação de contas – texto técnico

Ação de prestação de contas – texto técnico

Ação de depósito

INTRODUÇÃO

Ação de prestação de contas: Neste pequeno ensaio jurídico objetiva-se analisar o procedimento de prestação de contas e as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema ora em debate. Iniciando-se pelo conceito, a prestação de contas pode ser defendida como a ação de conhecimento, de procedimento especial de jurisdição contenciosa, em que se busca a realização do direito de exigir ou do direito de prestar contas a alguém. Pressupõe, portanto, a preexistência de direito material consistente na administração de bens ou direitos por terceiro, mediante contrato de mandato.

DO PROCEDIMENTO DE EXIGIR CONTAS

A primeira ação de prestar contas é a mais comum, em que o titular de direitos ou bens administrados pelo terceiro exige deste que preste as contas de forma contábil. Caracteriza-se como um procedimento bifásico, em que o mérito da demanda foi fracionado. No primeiro momento, analisa-se se há ou não a obrigação de prestar contas. Já na segunda fase, o juiz fará uma apreciação das contas apresentadas. Na fase de conhecimento, deve o titular do direito narrar a situação de fato existente que lhe autoriza exigir as contas do terceiro administrador. Observa-se o rito previsto no artigo 915 do Código de Processo Civil, que prevê a citação do Réu para, no prazo de 5 dias, apresentar as contas ou contestar a ação. Citado, o réu poderá adotar três condutas diversas, a saber: i) contestar o pedido, negando, assim, a existência de obrigação de prestar as contas; ii) prestar diretamente as contas, reconhecendo sua obrigação de prestar as contas requeridas; iii) não apresentar defesa ou não negar a obrigação de prestar contas.

Na primeira hipótese, caberá ao Magistrado analisar se há ou não a obrigação do Réu prestar contas. Reconhecendo tal obrigação ou configurada a terceira hipótese, o juiz condenará o Réu a prestar as contas no prazo de 48 horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o Autor apresentar. Já na segunda hipótese, terá o Autor o prazo de 5 dias para se manifestar sobre as contas apresentadas pelo Réu, seguindo-se a instrução do feito se necessário. As contas devem ser apresentadas de forma mercantil, e muitas vezes se fará necessário que o Magistrado determine a realização de perícia contábil na hipótese de contas complexas e extensas.

Acolhido o pedido autoral, mediante sentença condenatória e observada a sucumbência, segue-se para a segunda fase do rito. Enquanto na primeira fase do procedimento foi fixado o quanto an debeatur, já na segunda fase será fixado o quantum debeatur visando formar eventual título executivo que propiciará futuro cumprimento de sentença. A natureza jurídica da ação de prestação de contas, em tal ponto, é bastante interessante, podendo ser definida como uma lide de acertamento de contas, visto que ao final o resultado pode apresentar saldo credor a favor do demandado.

Reconhecida a existência de saldo credor ou devedor, poderá ser este exigido nos próprios autos, como preceitua o artigo 918 do Código de Processo Civil.

DO PROCEDIMENTO DE DAR CONTAS

Está especificado no artigo 916 do Código de Processo Civil e o procedimento é mais célere, pois o próprio Autor já reconhece seu dever de prestar as contas ao mandante. A hipótese mais comum pode ocorrer quando o credor se recusar a receber contas e a dar quitação, ocasião em que poderá ser acionado pelo devedor que quer prestá-las.

Diante do prévio reconhecimento da existência de prestar contas, o Réu será citado para, no prazo de 5 dias, aceitar as contas prestadas ou contestar a ação. Para o Réu surgem então dois caminhos, a saber: i) não contestar o feito ou declarar que aceita as contas oferecidas; ii) contestar a ação ou impugnar as contas apresentadas. Na primeira hipótese, o juiz procederá ao julgamento diretamente, no prazo de 10 dias. Já na segunda hipótese, caberá ao Juiz, após a produção de provas, julgar as contas apresentadas.

QUESTÕES CONTROVERSAS

A conceituação dos legitimados está prevista no art. 914 do Código de Processo Civil e também é relacionada pela doutrina algumas hipóteses previstas em lei, em que tal dever é expresso, a saber: a) administrador judicial (CPC 727 e 728); b) advogado (EOAB 34 XXI); c) curador (CC 1755 e 1774; CC/1916 434 e 453; CPC 919); d) curador da herança jacente (CPC 1144 V); e) gestor de negócios (CC 861; CC/1916 1331); f ) inventariante (CPC 991 VII, 919); g) mandatário (CC 668; CC/1916 1301); i) pais (CC 1689 II c/c 1673; CC/1916 385 e 394); j) síndico (LCI 22, § 1º f ); k) testamenteiro (CPC 1135, 1138; CC 1980; CC/1916 1757, 1758); l) tutor (CC 1755; CC/1916 434; CPC 919).

Na jurisprudência, é pacificado o direito de o consumidor exigir das financeiras, seja em contratos de cartão de crédito, seja em contratos bancários, a prestação de contas, mesmo que sejam extraídos extratos mensais. Sobre o tema, trago as seguintes decisões jurisprudenciais:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE PROCEDIMENTO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS (1ª FASE) EXIGIDA PELO USUÁRIO DE SERVIÇO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. LEGITIMIDADE E OBRIGAÇÃO DA ADMINISTRADORA. DIREITO BÁSICO DO CONSUMIDOR E MANDANTE DE EXIGIR CONTAS. ARTIGO 6°, INCISO III, DA LEI FEDERAL N° 8.078/90, ARTIGOS 113, 422 E 668 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E 914 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA REJEITADA. CAUSA DE PEDIR DISTINTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO. PRAZO DE 48 (QUARENTA E OITO) HORAS PARA PRESTAR CONTAS. INSUBSISTÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE MÁ-FÉ DO AUTOR QUE NÃO RESTOU COMPROVADA. NEGATIVA DE POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA QUE NÃO SE JUSTIFICA. EXISTÊNCIA DE ALGORITMOS MATEMÁTICOS. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO COMPATÍVEL COM O RITO ESPECIAL. DESCONHECIMENTO PELO CONSUMIDOR DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA CONSTITUIÇÃO E LANÇAMENTO DO DÉBITO QUE LHE É IMPUTA DO, INCLUSIVE POR INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA MANDATO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 1° DA LEI COMPLEMENTAR N° 105/2001 QUE NÃO SE CORPORIFICA. QUEBRA DE SIGILO DAS OPERA ÇÕES FINANCEIRAS DA RÉ QUE NÃO SE CARACTERIZA. ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIO E JURIS PRUDENCIAL PACÍFICOS. SÚMULAS N.º 259-STJ E N.º 77-TJRJ. APELAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, COM FULCRO NO ART. 557, CAPUT , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL” (TJRJ – 18ª C.C. – A.C. nº 0155519-8.2009.8.19.0001 julgada em 15.09.2011 – Rel. Des. Gilberto Guarino)

“APELAÇÃO CÍVEL – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUTOR CORRENTISTA DO BANCO RÉU. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. CORRENTISTA QUE DISCORDA DOS LANÇAMENTOS EFETUADOS NO EXTRATO BANCÁRIO TEM LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA PROPOR AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SÚMULA 259 DO STJ. OBRIGATORIEDADE- DE DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. RECURSO QUE SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT , DO CPC.” (TJRJ – 4ª C.C. – A.C. nº 0079624- 13.2011.8.19.0001 julgada em 26.04.2012 – Rel. Des. Sérgio Jerônimo A. Silveira)

Por força de tal divergência, foi inclusive emanado enunciado do e. Superior Tribunal de Justiça que contém a seguinte redação:

Enunciado 259 do STJ – “A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária.”

Outra questão debatida diz respeito à possibilidade de o alimentante, em nome próprio, exigir prestação de contas da administradora de tais recursos, em geral o outro genitor, sob o argumento de haver indícios de sua malversação. Sobre o tema, trago à colação as seguintes decisões jurisprudenciais:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. CORRETA EXTINÇÃO DO PROCESSO PELA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL .1. A ação de prestação de contas visa, em última análise, à apuração de saldo credor;2. Contudo, falece interesse ao alimentante em tal objetivo, face ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.3. Recurso manifestamente improcedente, ao qual se nega seguimento na forma do artigo 557, caput , do CPC.” (TJRJ – 12ª C.C. – A.C. nº 0076569- 4.2011.8.19.0001 julgada em 30.01.2012 – Rel. Des. Antônio Iloizio B. Bastos)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL PRESTAÇÃO DE CONTAS ALIMENTOS . ILEGITIMIDADE PASSIVA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. Ação de prestação de contas ajuizada por alimentante em face da alimentanda, menor absolutamente incapaz representada pela mãe, a quem o autor imputa malversação das pensões em proveito próprio. Sentença de extinção do processo sem resolução do mérito. Apelo do autor.1. Dado que o alegado antijurídico é a conduta da mãe da alimentada, é evidente a inexistência de relação subjetiva entre esta e a causa de pedir, o que indica ilegitimidade passiva.2. Não sendo possível a cobrança de alimentos já pagos, eis que irrepetíveis, não tem utilidade ação de prestação de contas , o que afasta o interesse processual.2. Recurso ao qual se nega seguimento com fulcro no art. 557, caput , do CPC.” (TJRJ – 3ª C.C. – A.C. nº 0008129 59.2009.8.19.0006 julgada em 30.03.2012 – Rel. Des. Fernando Foch Lemos)

Em que pese o entendimento majoritário dos Tribunais, ouso discordar, porquanto, a meu ver, é interesse direto do alimentante saber qual a destinação dos recursos que disponibiliza ao alimentando incapaz e se a sua representante legal os vem empregando diretamente nos interesses do alimentando. Entendimento diverso implicaria no impedimento do alimentante fiscalizar se a verba que é repassada a seu filho vem sendo empregada de forma adequada. A questão processual poderia ser contornada se admitida que tal ação poderia ser proposta não em nome do genitor, mas sim do alimentando representado por seu genitor em face da administradora dos recursos.

O interesse processual do alimentante é inconteste, porquanto, se demonstrada a malversação dos recursos de forma reiterada por sua administradora, haveria motivo justificado até para ser solicitada a in versão da guarda. Outra questão processual controvertida na ação de prestação de contas diz respeito ao cabimento ou não da reconvenção, face seu caráter dúplice. Em pesquisa de jurisprudência, há decisões em ambos os sentidos, ora admitindo a reconvenção ora rejeitando seu cabimento. Transcrevo abaixo as seguintes decisões sobre o tema:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARÁTER DÚPLICE. EXECUÇÃO DE DECISÃO CONCESSIVA DE SEGURANÇA NOS AUTOS DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. IMPOSSIBILIDADE. CONTESTAÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PEDIDO. PRECLUSÃO. 1. Inviável execução de decisão concessiva de segurança nos autos da ação de prestação de contas. 2. Não obstante possua a ação de prestação de conta s caráter dúplice, possibilitando ao réu, na contestação, formular pedidos em seu favor, não exigindo reconvenção, resta caracterizada a preclusão quando não houver requerimento nesse sentido. 3. Nos termos do artigo 293 do Código de Processo Civil, o pedido deve ser interpretado restritivamente, sendo necessária a invocação expressa da pretensão pelo autor e, na espécie, também pelo réu. 4. Recurso especial improvido.” (STJ – 2ª Turma – Resp 476783 / RJ – RECURSO ESPECIAL 2002/0150428-6 julgada em 18.10.2007 – Rel. Min. João Otávio de Noronha)

“Agravo de instrumento. Decisão monocrática que, em ação de prestação de contas, proposta pela ora agravada em face da ora agravante, indeferiu o requerimento do réu para que a autora fosse intimada na forma do artigo 475-J do CPC, para efetuar o pagamento do saldo devedor declarado pela sentença, ao fundamento de que a declaração do valor do débito não autoriza sua execução, sendo certo que inexistiu reconvenção a viabilizar a condenação da autora ao pagamento do débito reconhecido e que o pagamento deve ser pleiteado pela via própria. Ação de prestação de contas que possui natureza dúplice. Art. 918 do CPC que dispõe que o saldo credor declarado na sentença poderá ser cobrado em execução forçada. Desnecessidade de reconvenção. Crédito que poderá ser cobrado nos próprios autos na forma do art. 475-J do CPC. Precedentes do STJ e deste Tribunal. Reforma da decisão. Recurso provido na forma do § 1º-A do art. 557 do Código de Processo Civil.” (TJRJ – 12ª C.C. – A.I. nº 0020907-45.2010.8.19.0000 julgado em 09.09.2010 – Rel. Des. Nanci Mahfuz)

FINALIZAÇÃO

A ação de prestação de contas é bastante útil por seu caráter dúplice e de lide de acertamento; em que a sentença judicial será o título executivo para o credor executar seu crédito nos próprios autos. Tal procedimento vem sendo utilizado de forma reiterada na análise de contas de síndicos, de cobrança de aluguéis e encargos, despesas de cartão de crédito e despesas bancárias.

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